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8 de Maio de 2024

Provimento do CNJ regulamenta registro de crianças com sexo ignorado; medida é resposta ao pedido do IBDFAM


Atendendo ao requerimento do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM para suprir a lacuna normativa referente ao "sexo ignorado" nos registros de nascimento, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça – CNJ expediu o Provimento 122/2021 da Corregedoria Nacional de Justiça. A medida, que passa a valer a partir do dia 12 de setembro, garante esse direito para crianças intersexo, que nascem sem o sexo definido como masculino ou feminino.

A medida padroniza o procedimento em todo o Brasil e prevê ainda a possibilidade de realizar, a qualquer tempo, a opção de designação de sexo em qualquer Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de autorização judicial, de comprovação de cirurgia sexual e tratamento hormonal ou apresentação de laudo médico ou psicológico.

No voto apresentado ao Plenário do CNJ, a corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, pontuou que a redesignação ou a mudança de gênero de criança ou adolescente não são tratadas neste ato. A norma se atém à designação do sexo, pela sua vocação a regulamentar a atividade registral, enquanto a redesignação ou mudança de gênero de criança ou adolescente segue dependendo de autorização judicial.

Conforme o provimento, o registro com sexo ignorado será efetivado quando constar, na Declaração de Nascido Vivo – DNV emitida pelo sistema de saúde no ato do nascimento, o preenchimento do campo sexo como “ignorado”. O cartório deve orientar a família para a utilização de um nome neutro, mas é facultada sua aceitação pelos responsáveis.

A opção posterior pelo registro de nova designação de sexo, como a do nome da pessoa nessa condição, pode ser feita pelos pais ou mães até a criança atingir 18 anos. Quando se tratar de maiores de 12 anos, será necessária a anuência da criança. A primeira opção é gratuita, podendo haver cobrança quando a pessoa realizar o ato em cartório diferente de onde está o registro dela.

O Judiciário já havia normatizado essa situação em cinco estados: Goiás, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. No entanto, exigiam apresentação de laudos médicos para a definição posterior de sexo.

Até a publicação do Provimento 122/2021, os Cartórios de Registro Civil não podiam expedir a certidão de nascimento se não houvesse a definição de sexo na DNV apresentada pelo responsável. A família precisava ingressar com um processo judicial para efetivar o registro da criança, o que fazia com que ela ficasse sem a certidão de nascimento até a definição – e, consequentemente, sem acesso a direitos fundamentais como plano de saúde, matrícula em creches, entre outros serviços públicos e privados.

As mesmas regras referentes ao procedimento de registro valem para a Declaração de Óbito – DO assinada por médico e que deve ser apresentada em Cartório para a emissão do registro de óbito. A opção pela designação de sexo pode realizada, após a morte da pessoa, pela mãe ou pelo pai.

A notícia se refere ao Pedido de Providência 0005130-34.2019.2.00.0000. Clique aqui e confira a íntegra da proposta.

Segurança jurídica

Para a presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM Márcia Fidélis Lima, não é razoável que, em pleno século XXI, o Brasil ainda discuta e não reconheça dignamente a realidade intersexo. “As pessoas têm o direito de ser reconhecidas como elas são.”

“O Provimento 122/2021 do CNJ regulamenta a atuação do Registrador Civil de Pessoas Naturais definindo, em caráter nacional, o procedimento para o estabelecimento do estado sexual do cidadão em conformidade com a definição apontada na Declaração de Nascido Vivo. São situações já existentes no sistema legislativo pátrio que foram regulamentadas para que se proceda com segurança jurídica e dispensando a intervenção judicial”, explica a especialista.

Márcia observa que, além de tratar do registro inicial da criança, fazendo constar de seu registro de nascimento o fato de se ter “ignorado” a identificação do seu sexo ao nascer, o provimento disciplina ainda a alteração dos registros por averbação, quando se referir à condição intersexo. “Essa alteração pode ser feita a qualquer tempo, em qualquer idade – inclusive para registrados crianças e adolescentes, representados e assistidos.”

Nesse ponto, ela salienta que não há tratamento diferenciado em relação à alteração do registro do transgênero, disciplinada no Provimento 73/2018, também do CNJ. “Ao transgênero menor, essa averbação fica condicionada à intervenção judicial. São situações diferentes, já que o transgênero altera seu registro porque sua condição física não coincide com sua autopercepção.”

“É necessário ter maturidade suficiente para entender, com discernimento, o que significa ser transgênero. Mesmo que a criança ou o adolescente tenha segurança dessa condição, não terão capacidade civil para requererem, por si, a alteração do registro na esfera administrativa”, pondera a especialista.

Como os representantes legais não podem afirmar algo que seja autopercebido, o transgênero precisa ter capacidade civil para ter o procedimento facilitado de alteração do registro. “O direito, contudo, não é negado ao menor de 18 anos. Apenas fica condicionado à avaliação em procedimento judicial até para suprir a incapacidade civil do registrado.”

Por outro lado, o intersexo tem características físicas atestáveis, que podem perfeitamente ser afirmadas por representantes legais. “Há ainda uma elucidação - de ordem procedimental - a ser resolvida com a Corregedoria Nacional de Justiça que envolve Direito Tributário e o uso da Central de Registro Civil. Acredita-se que seja sanada qualquer dúvida antes do início da sua vigência, que será 30 dias após a publicação.”

Márcia ressalta que o Pedido de Providência do IBDFAM ao CNJ foi instado em um momento em que atos normativos estaduais estavam regulamentando a matéria com disposições diferentes e conflitantes. “Alguns definiram o registro da pessoa intersexo sem que a ela fosse indicado, em um primeiro momento, um nome. Receberia o nome após definição binária do sexo. Outras normas não disciplinavam nada acerca do nome, levando à esfera judicial o questionamento acerca do gênero do prenome quando a DNV apontasse a opção ‘ignorado’ para o estabelecimento do sexo do bebê.”

“Em muitos sentidos, a publicação desse ato normativo traz ganhos à comunidade LGBTQIA+. Essas conquistas não se limitam às pessoas na condição intersexo. É o primeiro obstáculo juridicamente vencido para que as discussões acerca do fim da dicotomia homem/mulher sejam reforçadas”, frisa a especialista.

Segundo ela, o objetivo é a alteração legislativa, pelas vias ordinárias. “No entanto, para que seja possível superar toda a morosidade do processo legislativo, um mínimo de segurança era preciso garantir para se evitar mutilações em bebês e crianças e para que a todos seja assegurado o exercício básico da cidadania através do atributo fundamental da pessoa humana cidadã, que é ter um nome, ser alguém específico, um ser individualizado como somos todos.”

Inclusão das pessoas intersexo

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, lembra que um marco importante para essa parcela da população foi a inclusão da letra I, de intersexo, na sigla LGBTI. Entre os principais avanços, ela cita ainda a criação da Associação Brasileira de Intersexos – ABRAI, o livro “Intersexo”, coordenado por ela, e o provimento de iniciativa do IBDFAM.

“Como vem tal informação na Declaração de Nascido Vivo, impraticável que o registro civil não retratasse essa informação no registro de nascimento, e era o que vinha acontecendo. Obrigar os pais a buscarem a realização de cirurgias de adequação genital é uma mutilação, porque o sexo que essa criança, que nasce com sexo indefinido, vai assumir na sua vida não necessariamente é aquele que o médico escolhe ao fazer a cirurgia”, pontua a especialista.

Para a advogada, a situação afrontava todos os princípios constitucionais. “Daí esse passo muito significativo, protocolizado pelo IBDFAM, e que resultou nesse enorme avanço que é esse Provimento 122/2021 do CNJ”.


Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM https://ibdfam.org.br/noticias/8838


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