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23 de Abril de 2024

Justiça arquiva denúncia contra quilombola por construção de casa de 50 m²

A Justiça de São Paulo absolveu um morador de uma comunidade quilombola denunciado por crime ambiental. O homem era acusado pelo Ministério Público por ter construído sua casa, de 8,5 m x 6,7 m, ou 0,0055 hectare, numa área que a Promotoria dizia ser manancial de rio — mas que na verdade era uma calha para canalização da água da chuva, feita pelos moradores da comunidade.

O processo foi arquivado com base na tese da Defensoria Pública de São Paulo, de que o impacto foi mínimo e que o Direito Penal deve se restringir às situações de intervenção necessária. O processo foi tocado pela promotora de Justiça Carolina Lima Anson.

A denúncia foi arquivada já na primeira instância. Mas o MP insistiu e recorreu ao Colégio Recursal de Caraguatatuba. "Comprovou-se que se trata de ocupação humana de baixo impacto ambiental, por população de comunidade tradicional", respondeu o colegiado. Além disso, foi constatado que o curso d'água que caracterizaria a área como de preservação permanente não teve sua existência confirmada e que se trata de área menor a 0,1 hectare, sem indício de impacto ambiental significativo e de prática contínua de supressão de vegetação. Ante o arquivamento, o MP-SP recorreu ao Colégio Recursal de Caraguatatuba.

Na apresentação de contrarrazões em favor do morador quilombola, o defensor público Wagner Giron de La Torre, que atua na unidade da Defensoria em Taubaté, em parceria com a advogada Sabrina Diniz Bittencourt Nepomuceno, que atua na Rede Nacional de Advocacia Popular (Renap), afirmou que a residência em questão não se localiza às margens de curso hídrico, como consta da denúncia, tratando-se na verdade de vala aberta artificialmente para mero escoamento de águas da chuva.

“O autuado e sua família são pessoas vinculadas à luta pela posse do território do Quilombo da Caçandoca, sendo descendentes de antigos moradores de área inserida no Quilombo, detêm direito fundamental de reformar e terminar a construção de sua moradia localizada no território do Quilombo, hoje em estado precário, semiconstruída, e sujeita às agressões das intempéries”, argumentaram o defensor e a advogada.

Intervenção mínima

Wagner Giron e Sabrina Nepomuceno argumentaram que a acusação de dano ambiental já tinha sido arquivada em inquérito civil pelo próprio Conselho Superior do MP-SP, o que apenas corroborava não haver danos ambientais ou a existência de curso hídrico no local. Diante desse fato, a insistência pela acusação criminal feria o princípio da intervenção mínima. “É fora de dúvida que o pretérito e arquivado inquérito civil denota prova da total inexistência de delito.”

No acórdão, o Juiz Relator Gilberto Alaby Soubihe Filho, do Colégio Recursal de Caraguatatuba, acolheu os argumentos da defesa, mantendo a absolvição. “Não olvida a independência das Instâncias Cível e Criminal. No entanto, a Instância Criminal deve ser a última ratio, prestigiando-se o Princípio da Intervenção Mínima”, considerou o Magistrado. Ele ainda aplicou o entendimento do Conselho Superior do Ministério Público, que, em sua súmula nº 29, exclui a punibilidade em termos de impactos socioambientais de áreas inferiores a 0,1 hectare.

Para o Defensor Público Wagner Giron de La Torre, trata-se de importante precedente em prol das Comunidades de Remanescentes de Quilombos. “É realidade entre as comunidades tradicionais do Litoral Norte/SP um número crescente de processos criminais, por ‘danos ambientais’, em razão do exercício de atividades de reprodução da existência material dos remanescentes de Quilombos, em especial, a criminalização de construções de moradias quilombolas nos territórios ancestrais”, avalia.

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